[RESUMO] João Bandeira lança nova antologia de poemas, na qual mescla influência concretista e orientalo link do tigrinho, poemas visuais e tipográficos a versos em tom de conversa, recorrendo ao íntimo e ao cotidiano.
Apostas Online Seguras | Aposte AgoraDesde "Rente" (1997), pelo menos, a poesia de João Bandeira mantém os pés fincados na musicalidade e na visualidade. No ato do seu surgimento, vivia-se o auge da (já então requentada e insustentável) oposição entre a poesia concreta e o verso, ou quem sabe aquele não passasse apenas do estertor final da batalha travada pelo gangsterismo poético do fim de século à procura da manutenção do poder nos moribundos suplementos culturais.
fortune tigerUltrapassada a estridência bipolar e dissipado o protagonismo diluidor de quadrilhas e quadrinhas sob o aluvião editorial das últimas duas décadas, a poética de Bandeira se descola das filiações mais evidentes, firmando-se na base que a projetou e ainda sustenta: o "cantabile" e a écfrase, por meio das quais a paisagem agora se insinua, em sua nova coleção "E Depois Também", entretanto sem se fixar, renascendo em pleno movimento.
O poema instalação quot;Thy Tooth Teaches My Tonguequot; (teu dente orienta minha língua), de João Bandeira - Hilton Ribeiro/ReproduçãoO apontamento naturalista, talvez influência do haicai onipresente na poética dos anos 1980, dava o tom a "Rente" ("a montanha insone/ agasalhada de névoa/ a lagoa sonha"), mas ganhou ritmo no livro "Quem Quando Queira" (2017), no qual a observação se expandiu para formas prosaicas e documentais mais próximas do registro do diário de viagem.
fotune tigerEncarnações velozes do poema oriental, de inevitável extração concretista, subsistem nos poemas-instalação (como exemplo, "thy tooth teaches my tongue" —teu dente orienta minha língua—, diz "Tongue", poema visual com essas palavras esculpidas na casca de maçãs multicoloridas, estampado no verso da capa do novo livro), e em poemas tipográficos que remetem a cummings e Joan Brossa (admire esse beija-flor pairando no ar da página, ao mesmo tempo estático e em vias de disparar):
o beij
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a flor
No entanto, dentre os 25 poemas que compõem a plaquete, uma nova respiração se destaca a partir da brevidade plástica emblematizada por esse beija-flor, e a relação entre poemas, pulmões e pernas parece conveniente, pois se trata de poesia abalada pela visão do horizonte através da deambulação peripatética.
Mario Montalbetti cindiu os poemas de Antonio Cisneros em dois tipos, para fora e para dentro, conceito igualmente útil para pensar a evolução da poesia de Bandeira. No caso do brasileiro, apontam "para fora" os poemas de herança construtivista e pop, que fazem uso de elementos visuais e vocais, como aqueles apresentados em performances como a ocorrida no lançamento do livro em São Paulo, na companhia da artista visual Lenora de Barros. Poemas para serem vistos, falados e encenados.
Distintamente dessa faceta, que, no dizer de Montalbetti, mistura "o prazer de ser querido publicamente com o negócio de escrever", os poemas "para dentro" de Bandeira assumem certo apelo conversacional, recorrendo ao íntimo e ao cotidiano.
Alguns deles se endereçam a uma interlocutora fora de quadro, "Lembra da subida do morro/ logo antes de chegar no Bonetti?/ Estive lá hoje de novo". O registro pode ser epistolar, pois é destinado a alguém que esteve no mesmo cenário que se descortina, exuberante, mas já não está: "Fiquei um tempo à toa esperando/ você aparecer na curva da trilha/ com aquele biquíni de listras".
Com isso, a opulência da natureza não reflete o ânimo melancólico diante da ausência sentida e da passagem do tempo, "Foi só isso/ Então segui em frente/ tentando me concentrar num chapéu-de-sol bem alto/ que devia ser não muito mais que uma muda/ naquelas últimas férias que passamos ali".
Memorialismo, cotidianeidade e peripatetismo como matéria de poesia, gênero orientado pela enérgica disposição característica da juventude, podem sugerir refluxos existenciais da maturidade, lugares cuidadosamente evitados pelos poetas.
Se esses traços se confundirem com qualquer ranço de nostalgiao link do tigrinho, então, tornam-se sintoma de aburguesamento da dicção, do tão imperdoável quanto irrefreável processo de desromantização de algo belicista e romântico como é a poesia. Por tabela, do poeta.